Pedagogia mistagógica da Quaresma 2024

01 de Março de 2024


Pedagogia mistagógica da Quaresma

“Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8)

Mesmo que dois textos já tenham sidos publicados na pedagogia mistagógica de fevereiro 2024, considero por bem repeti-los aqui para favorecer a visão de conjunto da pedagogia mistagógica presente nas propostas celebrativas do SAL nos Domingos da Quaresma de 2024.

A iluminação que conduz a reflexão quaresmal, deste ano de 2024, encontra-se no lema da Campanha da Fraternidade, que reza: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt. 23, 8). Trata-se de uma bela provocação para a conversão quaresmal, convidando cada celebrante a rever se seu relacionamento é fraterno, se o modo como se relaciona na sociedade e na comunidade condiz com o ensinamento de Jesus sobre a fraternidade e é promotor da fraternidade que produz “amizade social”.

No contexto da proposta da CF2024, o apelo à conversão considera que, se somos irmãos e irmãs de todos, por isso, como cristãos e cristãs somos responsáveis pela construção da “amizade social”, como diz o tema da CF2024. É um projeto de conversão propondo o caminho da reconciliação social como atividade fraterna.


Dois modos diante das inimizades sociais
A Liturgia quaresmal, em todos os Anos Litúrgicos (A – B – C) inicia-se com os Evangelhos das tentações de Jesus (1DTQ) e da Transfiguração do Senhor (2DTQ-). Pedagogicamente, a estrutura do Ano Litúrgico inicia a Quaresma mostrando a condição humana de sermos tentados (1DTQ) e a contemplação da glória divina em Jesus Cristo, mesmo quando estiver desfigurado pela Paixão (2DTQ).

No atual contexto, as duas primeiras celebrações de Domingos quaresmais propõem dois modos de entrar em contato com a agressividade provocada pelas inimizades sociais. O primeiro é resistindo às tentações (1DTQ-B) e, segundo modo, fortalecendo-se espiritualmente pela oração contemplativa antes de voltar para a planície (2DTQ-B), local onde viver o empenho pela amizade social porque somos todos irmãos e irmãs.

Não cair na tentação e contemplar
Depois de traçar o projeto e o objetivo cristão de promotor da fraternidade, o 1DTQ-B chama atenção para a agressividade presente nas tentações, capaz de tirar da estrada do discipulado para caminhar em caminhos promotores de inimizades. Diante da agressividade psicológica e espiritual, presente em toda tentação, a proposta celebrativa do 1DTQ-B ampliará a ensinamento de Jesus: fortalecer-se pela conversão e pela fé no Evangelho para não ceder à tentação de abandonar a estrada do discipulado.

O segundo momento da pedagogia mistagógica, presente na proposta celebrativa do 2DTQ-B, fortalece os celebrantes pela contemplação da glória divina, presente na Transfiguração do Senhor. A contemplação da glória divina é uma necessidade espiritual para não se sofrer alguma desilusão diante da desfiguração causada em Jesus pela sua Paixão e Morte. O contemplativo não desanima diante de uma sociedade desfigurada pela divisão causadora de inimizade social, porque sua força reside na esperança da vitória sobre a morte: a Ressurreição.


Três modos de viver a fé e promover a “amizade social”
A continuidade da Quaresma com os Domingos do Ano B inicia questionando a qualidade da vivência religiosa dos celebrantes (3DTQ-B), depois chama atenção para o perigo da indiferença religiosa (4DTQ-B) e se conclui propondo a espiritualidade oblativa, significada no grão de trigo que doa sua vida para produzir frutos novos (5DTQ-B).

Qualidade da vivência religiosa
A pedagogia mistagógica do 3DTQ-B aborda a mentalidade religiosa centrada no intimismo pessoal que, por se preocupar demais consigo mesmo, cria uma religião emotiva e se afasta da fraternidade. A vivência religiosa cristã não pode transformar do templo em um "shopping religioso" onde é possível comercializar com Deus. O comportamento próprio da vivência religiosa cristã compreende que ser Igreja implica em ter um relacionamento profundo com Deus, o qual se manifestará em relacionamentos fraternos, promotores da “amizade social”, como pede a CF2024.

O ateísmo branco
A celebração do 4DTQ-B dá outro passo para ajudar os celebrantes a compreender a importância da vivência da religião que se expressa por obras evangelizadas e evangelizadoras. A fé cristã não é voltada unicamente para o próprio crente porque é uma fé promotora de relacionamentos fraternos. Neste tempo de "ateísmo branco", manifestado por atitudes de indiferenças para com a proposta do Evangelho e para com o projeto divino do Reino de Deus, existe uma mentalidade de que a religião não tem papel influenciador na sociedade. Com tal mentalidade, inclusive de católicos praticantes, pretende-se confinar a religião a igrejas e muros eclesiásticos. É um cenário que desafia os celebrantes a se converterem ao Evangelho para propor, com palavras e obras, a fraternidade em vista da construção da “amizade social”.

Espiritualidade oblativa
Por fim, o 5DTQ-B explora a dinâmica do discipulado cristão, nascida do encontro pessoal com Jesus. Na perspectiva proposta por Jesus sobre sua Paixão e Morte, os celebrantes compreendem que a vivência religiosa cristã se rege pela oblação da vida, simbolizada pelo "grão de trigo" que morre para frutificar. A vida cristã é marcada por “mortes”, que a mística cristã conduz pela prática de renúncias. São Paulo diz que é preciso morrer ao pecado; quer dizer, renunciar ao pecado (Rm 6,11), para que a vida de Cristo produza frutos evangelizados e evangelizadores na sociedade.


Concluindo
O retiro quaresmal presente nas propostas celebrativas do SAL, especialmente nas celebrações do mês de março 2024, sugerem três atitudes existenciais em vista da conversão pessoal para produzir frutos de “amizade social” no meio da sociedade com a luz do Evangelho: não transformar a religião em comércio com Deus (3DTQ-B), mas ter uma vivência religiosa produtora de frutos evangelizados (4DTQ-B) vivendo a espiritualidade oblativa da doação da vida (5DTQ-B).

Serginho Valle 
Janeiro de 2024