Por uma Igreja sinodal - Pedagogia mistagógica maio 2022

24 de Abril de 2022


 Por uma IGREJA SINODAL

Pedagogia mistagógica dos Domingos de maio 2022

Por uma Igreja Sinodal. É o tema do Sínodo que está acontecendo em toda a Igreja. Um tema manifestamente eclesiológico. Tema que pode ser interpretado como um desejo: que a Igreja seja sinodal, seja povo que caminha junto com a humanidade nas estradas do mundo. Tema eclesial que conduz a Igreja a refletir sobre sua identidade em espírito de comunhão, participação e missão. Igreja em sínodo, Igreja Povo de Deus que caminha junto como missionária no mundo, testemunha viva do Evangelho em todas as partes da terra.

É em tal contexto que são iluminadas as propostas celebrativas do SAL - Serviço de Animação Litúrgica - do Tempo Pascal. Uma mistagogia ou, se preferir, a pedagogia mistagógica das celebrações do Tempo Pascal iluminadas pela reflexão da sinodalidade da Igreja. E existe um motivo forte para isso.

O Tempo Pascal é liturgicamente conhecido, desde a antiguidade, especialmente a partir do século VIII, como tempo mistagógico. Tempo no qual a Liturgia adota o critério da pedagogia mistagógica em suas celebrações. É um recurso pastoral de se servir das celebrações, especialmente das celebrações dominicais do Tempo Pascal, para conduzir e introduzir os celebrantes para dentro do Mistério Pascal celebrado em cada Domingo da Páscoa.

 O exemplo clássico da mistagogia, em modo pedagógico, encontra-se no Tempo Pascal do Ano A. Inclusive é recomendada a sua estrutura de leituras da Liturgia da Palavra quando existem neófitos na comunidade. Os demais anos, B e C, seguem o mesmo esquema, mas com uma abertura ampla para outros temas. É justamente nessa possibilidade que sugerimos celebrar e refletir o Mistério da Igreja no contexto da Teologia Sinodal. É evidente que a inspiração vem do Sínodo em andamento.

 Como dizia, neste Ano C, as propostas celebrativas do SAL - Serviço de Animação Litúrgica - iluminam-se na Teologia e na espiritualidade da sinodalidade da Igreja. A Teologia da sinodalidade remonta aos primórdios da Igreja mas, esquecido no decorrer dos séculos, quando a estrutura hierárquica tomou o lugar da Eclesiologia do Povo de Deus, foi retomada com o Vaticano II.

 A finalidade de refletir a sinodalidade da Igreja no Tempo Pascal é favorecer o processo mistagógico presente nos Domingos Pascais, neste ano de 2022, levando os celebrantes a refletir sobre diferentes aspectos da Igreja, presente na Palavra das celebrações Dominicais do Tempo Pascal do Ano C para se sentirem Igreja sinodal, Igreja viva, pertencentes à grande peregrinação do Povo de Deus caminhante nas estradas do mundo rumo a um novo céu e uma nova terra (2L do 5DTP-C).

 Luzes da sinodalidade acesas nas celebrações Dominicais

As luzes que ajudam a compreender a sinodalidade, nas celebrações do Tempo Pascal deste 2022, são: comunhão com a Palavra de Deus, Participação, Mandamento Novo, Espiritualidade, Missão, Espírito Santo. Estes temas são propostos pelo Santo Padre e, inclusive, encontram-se em forma direta ou indireta no cartaz do sínodo. De modo direto, estão as palavras comunhão, participação e missão.

 As reflexões das propostas celebrativas, iluminadas pela sinodalidade da Igreja, de uma Igreja que caminha junto, tem como pano de fundo o símbolo do caminho. Se somos uma Igreja que caminha junto, ad intra e ad extra, temos um caminho: este caminho é a “estrada de Jesus” — “caminhamos na estrada de Jesus”, aclamamos na Oração Eucarística V —; a “estrada de Jesus” é o seu Evangelho. É na estrada de Jesus, vivendo nas estradas do mundo, que caminhamos juntos, em sinodalidade.

 O tema do caminho é de fácil compreensão no nosso contexto. A palavra sínodo, de origem grega, significa "caminhar juntos", "caminhar com alguém no mesmo caminho", “fazer o caminho em companhia de outro e com outros companheiros de caminhada”. De modo mais expressivo entende-se a dinâmica de quem se faz companheiro de caminhada. Uma Igreja que caminha com e uma Igreja que é companheira de caminhada com a vida humana; com a humanidade.

 
Documento preparatório e Vade mecum do Sínodo

O Documento Preparatório, juntamente com o Vade Mecum, sugere duas “imagens” das Escrituras para inspirar a construção de uma Igreja sinodal.

 Existem várias cenas, que certamente serão mencionadas nas incontáveis reflexões que cairão em nossas mãos. Por questão de espaço, vamos nos ater a uma: a “cena comunitária da Igreja Apostólica”, que acompanha constantemente o caminho da evangelização. Esta cena é proposta em todas as 1ª leituras do Tempo Pascal, sempre proclamada dos Atos dos Apóstolos. Sempre com o testemunho de uma Igreja em sinodalidade, que convive e caminha junto nas mais diferentes estradas do mundo e nas mais diferentes situações existenciais da vida pessoal e da vida da Igreja.

 A imagem da sinodalidade encontra-se nas perícopes dos Evangelhos, como mostra o simbolismo da Igreja Barca de Pedro, na qual todos pescam juntos na mesma barca (3DTP-C); existe uma sinodalidade nisso. Os Apóstolos voltam para o mar, mas sem ouvir a voz do Ressuscitado, que ensina onde pescar a pescaria farta. O fruto da sinodalidade acontece ouvindo a voz do Ressuscitado, que ensina onde pescar.

 A sinodalidade, diz a segunda parte da perícope evangélica do 3DTP-C, não existe sem a autoridade pastoral do Colégio Episcopal, sob o primado do Sucessor de Pedro, e sem a autoridade pastoral de cada Bispo diocesano na diocese confiada aos seus cuidados. Todos estão na mesma barca, em sinodalidade, mas é a Pedro que Jesus confia o apascentamento das ovelhas, a condução da Igreja Rebanho do Bom Pastor.

 Seria muito bom e recomendável que os membros da Equipe Litúrgica da paróquia, juntamente com as equipes de celebrações, leiam o Documento preparatório do Sínodo ou, pelo menos, o Vade Mecum do sínodo. Ambos os documentos podem ser baixados na internet em forma de pdf.

 Dito isso, passo a considerar uma ou, no máximo, duas características, da sinodalidade eclesial presente nas celebrações dos Domingos do Tempo Pascal do ano C. Lembro também que a proposta pedagógica tem início com o 3DTP-C e conclui-se no Domingo de Pentecostes.

 

Identidade e dimensões da Igreja

Igreja Barca de Pedro

A riqueza da Igreja não pode ser descrita e, menos ainda, ser definida a partir de um único ponto de vista. O 3DTP-C apresenta três dimensões da identidade da Igreja: é um povo que ouve (obedece) a voz do ressuscitado, atua pastoralmente conduzida por Pedro e vive na esperança de participar da Igreja triunfante em eterna adoração do Cordeiro imolado e vitorioso. Como relatado acima, no 3DTP-C a Igreja é representada pela Barca de Pedro; é um símbolo antigo, presente em desenhos encontrados em catacumbas. Uma barca que acolhe os discípulos e discípulas do Senhor, que ouve e obedece a voz do Senhor ressuscitado, presente no Evangelho para que a pesca seja abundante.

 É uma Igreja comunidade que conta com a liderança de Pedro. É Pedro que corre até Jesus, é Pedro que recebe a missão de apascentar o rebanho, é Pedro que responde aos sumos sacerdotes em nome da Igreja (1L do 3DTP-C). Igreja conduzida pelo Evangelho do ressuscitado e hierarquicamente organizada pela liderança de Pedro. Mas, também uma Igreja adorante (2L do 3DTP-C), que vive na glória, que se apresenta como meta de chegada da caminhada da Igreja peregrina, da qual fazemos parte como Povo de Deus.

 
Igreja Rebanho do Bom Pastor

 Outra identidade da Igreja é a conhecida imagem do Rebanho do Bom Pastor. O salmista canta: “nós somos seu povo e seu rebanho” (SR do 4DTP-C). Aqui temos a sinodalidade motivada pela comunhão no rebanho do bom pastor, que ouve a voz do pastor (E do 4DTP-C). Uma igreja sinodal que caminha nas estradas do mundo conduzida pela voz, pela palavra do bom pastor.

 O tema da PARTICIPAÇÃO está presente no tema do sínodo. A participação, juntamente com a comunhão, é uma condição para acontecer a sinodalidade. Todos caminham juntos, todos participam da mesma estrada, todos participam do mesmo alimento oferecido pelo Bom Pastor (E do 4DTP-C).  

 A Palavra, ouvida na Igreja Rebanho do Bom Pastor, não se destina unicamente ao rebanho, mas torna-se Palavra anunciada a todos, a toda humanidade para que a Salvação chegue aos confins da terra e o Evangelho seja luz das nações (1L do 4DTP-C). É a identidade de uma Igreja que é Rebanho do Bom Pastor e missionária da Palavra que, a exemplo de Paulo e Barnabé, não se intimida com ameaças e exclusões, para continuar anunciando o Evangelho (1L do 4DTP-C). João, no Apocalipse, apresenta a identidade da Igreja como aqueles que venceram a grande tribulação (2L do 4DTP-C) por se manterem fiéis à voz do Bom Pastor na condução de suas vidas.

 O contexto mistagógica do 4DTP-C destaca duas palavras chaves para o Sínodo da Igreja em sinodalidade: ouvir e comunhão. A Igreja ouve a voz do Bom Pastor e ouve a voz da humanidade; ouve a voz da humanidade em todos os tons, do riso e do choro, da angústia e da esperança. A outra palavra, comunhão, é facilmente percebida na imagem do rebanho que caminha em comunhão, ouvindo a voz do Bom Pastor.

 
Igreja do Mandamento Novo

Nos dois primeiros Domingos (3DTP-C e 4DTP-C), a identidade da Igreja aparece ligada ao relacionamento com Jesus ressuscitado. A Igreja se mantém em sinodalidade, continua unida em comunhão, ouvindo a voz do Bom Pastor, caminhando na “estrada de Jesus”. Agora, no 5DTP-C, a relação que mantém a sinodalidade é entre os discípulos e discípulas de Jesus. É a identidade da Igreja que se relaciona ad intra pelo Mandamento Novo, o Mandamento do Amor (E do 5DTP-C). Relacionamento no amor que fortalece a comunhão fraterna e o testemunho missionário da fraternidade.

 Os Santos Padres, e isso significa deste os primeiros pensamentos teológicos eclesiais, inspiravam-se no Mandamento Novo para descrever a Igreja como comunidade em sinodalidade. O fundamento encontra-se no Espírito Santo, que cria comunhão, e no Mandamento Novo que cria fraternidade.

 No contexto de uma sociedade cada vez mais individualizada, o testemunho evangelizador do amor fraterno é um desafio e uma urgência. A sinodalidade não tira a Igreja do mundo, a torna caminhante nas estradas do mundo com todos os percalços da história propondo o Mandamento Novo da fraternidade e agindo em favor da fraternidade. A sinodalidade da Igreja manifesta-se no meio do mundo, de uma Igreja que caminha nas estradas do mundo tão bem descrito na narrativa das viagens missionárias de Paulo e Barnabé (1L do 5DTP-C). Não resta dúvida que se trata de uma proposta profética, que faz parte da missão da Igreja, para que haja um novo céu e uma nova terra (2L do 5DTP-C), a terra com céu da fraternidade.

 
A sinodalidade na Oração Sacerdotal de Jesus

Um elemento básico da caminhada sinodal, de Igreja vivendo na sinodalidade, é a espiritualidade. Tema, no qual Papa Francisco é insistente. A espiritualidade é a ação do Espírito Santo que conduz a Igreja e a mantém fiel à sua missão evangelizadora. Com isso se está dizendo que o caminho da Igreja em sinodalidade não é motivado por teorias e nem por uma teologia, mas pela espiritualidade da comunhão, da fraternidade, da realização da Oração Sacerdotal de Jesus: “ut sint unum”“que todos sejam um” (7DTP-C).

 Como existe a possibilidade litúrgica de, no 6DTP-C, proclamar o Evangelho do 7DTP-C, com a perícope da Oração Sacerdotal de Jesus, optamos por sugerir a proclamação daquela perícope que, de modo claro e inequívoco, relata o desejo de Jesus pela sinodalidade da Igreja: que todos caminhem juntos, que vivam a mesma vida divina, na comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Esta é a Igreja, que o Apocalipse chama de “Nova Jerusalém”, iluminada e resplandecente; uma Igreja viva e iluminada pela luz da unidade divina do Cordeiro vitorioso (2L do 6DTP-C).

 Voltando ao tema da espiritualidade, a sinodalidade da Igreja acontece pela condução do Espírito Santo. O conflito na Igreja da Antioquia (1L do 6DTP-C) não é solucionado com uma votação democrática, mas em comunhão e participação de toda Igreja, com o Espírito Santo, como relatado na perícope da 1ª leitura: “nós e o Espírito Santo”. A sinodalidade não é democracia da maioria, é discernimento com o Espírito Santo que congrega.

 
Igreja missionária

O que mais evidencia a identidade da Igreja é a sua missão. A Igreja é missionária por natureza e sua missão é evangelizar todos os povos até os confins da terra (1L da Ascensão). A atividade missionária da Igreja é entendida como o esforço em favor da elevação da vida humana, para que a dignidade da vida humana alcance o grau da divinização (2L da Ascensão - C). Seja vida divinizada, santa.

 A missão é outra atividade própria da Igreja sinodal. Faz parte da missão da Igreja caminhar junto com a vida, junto com a história, ao lado da humanidade. Missão de caminhante e de testemunho do Evangelho. A Igreja não tem a missão de ficar olhando para o céu, mas de caminhar nas estradas do mundo semeando as sementes do Evangelho (1L da Ascensão - C). É o mandato de Jesus: “Vós sereis testemunhas de tudo isso” (E da Ascensão – C). A missão de anunciar o Evangelho como testemunho, como alguém que vive o que anuncia, no sentido prático de quem é chamado em testemunho.

 O envio de Jesus considera o descer o monte para evangelizar a terra. Assim como Jesus desceu de junto do Pai para a planície da humanidade, assim a Igreja desce para o meio do mundo, para em sinodalidade, caminhar com a humanidade testemunhando o Evangelho. Nada mais que o movimento próprio da História da Salvação: Deus que caminha junto com seu povo (sínodo) e a Igreja que caminha junto (sínodo) com toda a humanidade.

 
O Espírito Santo é o protagonista do sínodo

O Espírito Santo, diz Papa Francisco, é o grande protagonista do sínodo. Sem ele é impossível haver sinodalidade. A Igreja não realiza a sua missão sozinha, mas com o Espírito Santo. Esta é a fonte da sinodalidade e esta fonte encontra-se em Deus, no Espírito Santo que caminha com (sínodo) a Igreja.

 A missiologia diz que a Igreja não realiza sua missão sozinha, mas em companhia do Espírito Santo. A Igreja com o Espírito Santo faz o seu caminho missionário evangelizador. É o Espírito Santo que faz o caminho, o caminhar juntos, o sínodo com a Igreja. Naturalmente se entende que a sinodalidade é própria da vocação da Igreja. Caminha com o Espírito e caminha com a humanidade, nas sociedades e nos espaços históricos onde vive cada ser humano. A cena de Pentecostes (1L – Pentecostes) é a imagem da Igreja sinodal que reúne gentes de todos os povos e de todas as línguas da terra, e todos compreendem o mesmo Evangelho e são conduzidos pelo mesmo Espírito divino. É a imagem da Igreja em sinodalidade, sustentada não pela estrutura eclesial, mas pelo Espírito Santo de Deus.

 O Espírito Santo que caminha com a Igreja, que faz sínodo com a Igreja, capacita a Igreja a falar uma linguagem compreensível do Evangelho a todos os povos da terra (1L d Pentecostes). Ouviam falar em sua própria língua. Uma Igreja sinodal caminha com o povo e, compreendendo a vida do povo e o projeto divino, fala uma linguagem compreensível em favor da vida humana.

 É desse modo que o Espírito Santo renova e recria a face da terra e torna o Senhor, na expressão do salmista, a grande alegria de toda a humanidade (SR de Pentecostes). É o Espírito que, em sinodalidade com a Igreja, em comunhão com a Igreja, conduz a humanidade a não mais viver segundo a carne, mas segundo o Espírito de Deus (2L de Pentecostes – C). É a renovação de toda a terra. É a imagem da Igreja que caminha com (sínodo) a humanidade fermentando a terra com o fermento do Evangelho (Mt 13,33), sendo sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-16).

Serginho Valle 
Março de 2022