Pedagogia Litúrgica de dezembro 2021

29 de Novembro de 2021


Pedagogia litúrgica de dezembro 2021
 
Acender a luz do Natal na comunidade
 
A Liturgia inicia o Ano Litúrgico, na maior parte das vezes, em dezembro. Neste ano, o início foi no último Domingo de novembro. Não existe coincidência do começo do Ano Litúrgico com o fim do ano civil porque o Ano Litúrgico segue o calendário lunar e não o calendário solar, próprio do ano civil.
 
Outra característica encontra-se na proposta celebrativa do início do Ano Litúrgico: os dois primeiros Domingos do Advento celebram a preparação da 2ª vinda de Jesus Cristo, quando virá na glória, como canta o Prefácio do Advento I. Os primeiros Domingos do Advento continuam o tema escatológico dos últimos Domingos do Tempo Comum. Os dois outros Domingos do Advento, preparam espiritualmente a comunidade para celebrar o Natal de Jesus Cristo. Os dois primeiros Domingos do Advento, portanto, preparam a segunda vinda de Jesus Cristo e os dois últimos Domingos preparam a primeira vinda de Jesus Cristo.
 
A virtude própria da espiritualidade litúrgica do Advento é a vigilância e a atividade preparatório de caminhos que conduzem ao encontro do Senhor. Isto é bem claro nos dois primeiros Domingos do Advento. Os dois outros Domingos do Advento realizam as celebrações com a espiritualidade natalina marcada pela alegria e simplicidade da Mãe de Jesus, neste ano contemplando a visita de Maria a Isabel.
 
Lembro que a espiritualidade do Advento não é penitencial, mas marcada pela sobriedade. Por isso, não se usa a cor roxa da quaresma, mas a cor viola, um roxo mais claro. O sentido da sobriedade do Advento inspira-se na alegria do encontro com Jesus, que os dois primeiros Domingos celebram na fé da 2ª vinda do Senhor. Alegre pela vinda do Senhor, mas com a sobriedade vigilante de quem desconhece o dia e a hora. Alegria sóbria também da Virgem Mãe grávida, mas sem a “permissão” para saltar e dançar.
 
A pedagogia litúrgica deste mês de dezembro considera, inicialmente, três aspectos da comunidade: vestida com as vestes do Evangelho e vivendo em terreno aplainado (2DTA-C), comunidade marcada pela alegria e fraternidade (3DTA-C) e, comunidade iluminada pela espiritualidade mariana (4DTA-C).
 
Comunidade com vestes novas e terra aplainada
O 2DTA inicia-se com o convite do Profeta Baruc, dirigido à comunidade, para despir as vestes de luto e revestir-se com vestes ornadas com os enfeites da glória do Senhor (1L). Estes enfeites, explica o profeta, são comportamentos pautados na justiça e na verdade. Um convite para a comunidade se vestir com as vestes do Evangelho, tornando-se comunidade evangelizada, promotora da justiça e da verdade. Esta é a característica principal da comunidade que caminha ao encontro do Senhor: comunidade vestida com as vestes do Evangelho.
 
Qual a identidade religiosa da nossa comunidade? É uma comunidade vestida com vestes de luto, com vestes de tristeza, mergulhada em reclamações, em pessimismos porque a pandemia causou estragos e etc... Ou é, como diz a 2ª leitura do 2DTA-C, uma comunidade marcada pela fraternidade e, nesse caso, comunicada evangelizada?
 
Diante da necessidade de vestir-se com as vestes do Evangelho, a pedagogia litúrgica de dezembro inicia apelando à conversão comunitária de aplainar montanhas, que se inspira-se no simbolismo Bíblico da profecia de Isaias: aplainar, rebaixar o espírito arrogante e orgulhoso para a glória do Senhor brilhar na vida da comunidade (cf. (Is 2,11-17). Não uma comunidade, portanto, com montanhas de orgulho e arrogância, mas comunidade evangelizada, inspirada nos valores do Evangelho. A primeira proposta pedagógica do Advento desafia a aplainar as montanhas da arrogância e do orgulho, condição necessária para que o encontro com o Senhor aconteça e, ao mesmo tempo, para que a fraternidade seja testemunho evangelizador.
 
Comunidade alegre e fraterna
O segundo modelo de comunidade a partir da espiritualidade do Advento inspira-se na alegria, que produz a fraternidade como consequência. Toda comunidade que bebe sua vida na fonte da alegria do Evangelho é fraterna. O contrário disso são comunidades litigiosas, briguentas, ciumentas... não existe alegria e, consequentemente, não existe fraternidade. A alegria é o dom divino que favorece a convivência comunitária na honestidade e na partilha (E do 3DTA-C).
 
A alegria na comunidade é o antídoto do desânimo, da letargia comunitária, é o antídoto de medos contra iniciativas e criatividades (1L-3DTA-C). Comunidades tristes são comunidades paradas, incapazes de começar algo porque são negativistas e negacionistas. A alegria na comunidade é a manifestação clara da presença de Deus, canta o salmista (SR–3DTA-C). A alegria, do ponto de vista da espiritualidade comunitária, não é um sentimento ou uma característica de comunidades festeiras; aqui falamos da virtude Bíblica da alegria, dom do Espírito Santo, força interior que encoraja o coração da comunidade. Comunidades tristes não vivem o Evangelho porque a alegria é um fruto do Evangelho e de comunidades evangelizadas.
 
A fonte da alegria encontra-se em Deus porque Deus é amor (1Jo 4,8) e, onde existe amor, reina a alegria porque viver em Deus é viver na felicidade. A espiritualidade cristã, que sempre se fundamenta no amor, produz alegria interior e se torna a manifestação mais pura e desinteressada de relacionamentos amorosos com Deus e, de relacionamentos fraternos entre as pessoas com quem se convive na comunidade.
 
Comunidade iluminada na espiritualidade mariana
O terceiro modelo de comunidade, inspirada no Advento, ilumina-se na espiritualidade mariana, na qual contemplamos, neste Ano C, a simplicidade e a pobreza. Uma comunidade, portanto, que vive na simplicidade e na pobreza, como simples e pobre foi a Mãe de Jesus. Como simples e pobre é Belém, no dizer da profecia de Miquéias (1L – 4DTA-C). Comunidades simples e pobres como Belém são comunidades capazes e apropriadas para receber o nascimento do Menino Jesus. A comunidade simples e pobre é a vinha do Senhor que irá produzir frutos de vida (SR– 4DTA-C).
 
São duas características fundamentais da espiritualidade comunitária cristã. Deus sempre se serve dos simples e dos pobres para propor sua Salvação e criar caminhos de encontro com o Senhor. Maria é o instrumento pobre e simples usado por Deus para oferecer sua vida divina à humanidade. A comunidade que vive a espiritualidade mariana é uma comunidade que se dispõe a acolher a vida divina fazendo sempre e em tudo a vontade de Deus (2L-4DTA-C). É a espiritualidade que se ilumina no “ecce vennio” (2L-4DTA-C) e no “ecce ancilla” (E-4DTA-C); disponibilidade plena e irrestrita para que o projeto divino aconteça na terra.
 
Maria é modelo da vida espiritual cristã e modelo de acolhimento do projeto divino na comunidade. A espiritualidade mariana não é uma prática religiosa devocional, é o exercício do acolhimento do projeto divino, na simplicidade e na pobreza, para se viver segundo o Espírito de Deus, iluminando-se no Evangelho para se ter uma comunidade evangelizada e evangelizadora.
 
 
Iluminar a sociedade com a luz do Natal
Quando a comunidade é iluminada com a luz da espiritualidade mariana e se torna simples e pobre, como a Belém desconhecida em terras da Judéia — desconhecidas em terras do Brasil —, mas vive na alegria espiritual que produz fraternidade, então a comunidade é capaz de iluminar a sociedade onde a comunidade está situada com a luz do Natal.
 
Natal celebrado em comunidades simples, pobres e silenciosas
A celebração do Natal deste ano de 2021 pode ser o eco da bela profecia de Isaias, "o povo que andava na escuridão, viu uma grande luz" (1L da MN). Mundo escurecido por guerras, dominado pela escuridão do ódio, ridicularmente comandado por disputas de poder político e outros poderes, a comunidade é convidada a se deixar iluminar pela luz divina acolhendo o Menino Jesus.
 
A Noite Santa do Natal convida a comunidade a acolher o mesmo convite dos pastores diante da experiência iluminada do anúncio do Natal: “vamos a Belém ver este acontecimento que o Senhor nos revelou” (E da MA). O Natal acontece em Belém, na simplicidade e na pobreza de Belém. Não acontece nos grandes shoppings e nem diante de câmeras e redes sociais que encenam caridade; mas em Belém: pequena, simples, silenciosa e pobre.
 
José e Maria são modelos da vida cristã que celebram a espiritualidade do Natal no silêncio e no acolhimento da simplicidade pobre da gruta de Belém. É por isso que a espiritualidade do Natal sempre rima com simplicidade, pobreza e com silêncio. Comunidades simples, pobres e silenciosas que acolhem o Menino Deus iluminam a sociedade com a luz — nem sempre perceptível — do Natal, como aconteceu com Herodes e com seus teólogos, que não viram a luz do Natal, brilhando na estrela guia sobre a sua cidade.
 
Natal celebrado na família
Por fim, o último Domingo de dezembro, e também o último Domingo do ano, conduz a comunidade a celebrar o Natal na família com os critérios da espiritualidade do Tempo Natalino: sobriedade, simplicidade, alegria, pobreza e silêncio.
 
A espiritualidade da família destaca-se pela centralidade que ocupa no projeto divino. Deus se serve da família humana para nascer e viver na terra. Por isso, a família é um espaço santo, um verdadeiro santuário, onde o divino e o humano se unem pelo dom da vida. Três enfoques, no contexto da espiritualidade natalina, são propostos na proposta celebrativa do SAL – Serviço de Animação Litúrgica: a importância e a posição central da família no projeto divino, o exemplo de dois casais na Liturgia da Palavra da Festa da Sagrada Família e o clima familiar, envolvido pelo amor de Deus convivendo com a vida humana no seio de uma família.
 
É uma celebração que chama atenção para a angústia de tantas famílias que perdem seus filhos e filhas em templos que distanciam jovens vidas de Deus; templos que atraem não para alimentar, mas sugar jovens vidas. José e Maria encontram Jesus no templo dedicado a Deus; muitos pais jamais encontram seus filhos em templos de redes sociais, em templos com profetas profetizando promessas vazias, em templos de morte onde se partilha droga, violência e toda sorte de ameaça à vida.
 
À medida que a família cresce na espiritualidade, a mesma Palavra que é ouvida no templo de nossas Liturgias, passa a ser escutada e vivida dentro das casas e começa a iluminar nossas famílias. Mesmo que nossas vozes, hoje em dia, sejam fracas a abafadas por tantas vozes que gritam mais alto que nós, é preciso insistir para propor os Mandamentos divinos como caminho que conduz à vida (2L-SF). Tudo começa na família porque a família tem o poder de gerar um tempo novo, gerar uma nova sociedade iluminada pela luz divina.
Serginho Valle
Novembro de 2021