Pedagogia litúrgica de agosto 2021

31 de Julho de 2021


Pedagogia Litúrgica de agosto 2021


No processo da caminhada pedagógica dos últimos dois meses é possível perceber como a Liturgia conduz a comunidade e a vida pessoal. Na pedagogia litúrgica de junho, o enfoque foi dado à Palavra de Deus, com uma questão de fundo: que vozes estamos ouvindo? A voz de Deus ou a voz do mundo e dos seus ídolos? No mês de julho, em continuidade ao tema da Palavra de Deus, o enfoque foi à evangelização. O Evangelho não é um produto religioso e a evangelização não é uma tarefa empresarial ou de marketing. Evangelizar é propor um estilo de vida inspirado no Evangelho e na vida de Jesus Cristo. A continuidade pedagógica litúrgica, no mês de agosto 2021, une as duas pedagogias anteriores e se depara com Deus alimentador do povo e da vida de cada filho e filha.
 
Não apenas propõe a sua Palavra evangelizadora (junho/21) como pregação (julho/21), mas oferece sua vida como alimento para alimentar a vida humana com a plenitude da vida divina. Não estamos lidando com teorias, doutrinas e nem teologias; estamos lidando com o projeto divino para que o homem e a mulher vivam plenamente e, para isso, Deus oferece sua Palavra, em forma de Evangelho — de boa notícia —; oferece a sua própria vida. Para que? Para tirar de dentro da gente todo tipo de neurose — “amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias (...) toda espécie de maldade” (2L do 19DTC-B) — e viver na bondade alimentada pela vida divina.
 
Sinal do pão
Em termos de alimentação, não existe sinal mais forte e mais eloquente que o sinal do pão. A maior parte das celebrações de agosto/21 são iluminadas pelo sinal do pão, presente no capítulo 6 do Evangelho de João. Dada a brevidade do Evangelho de Marcos, lido na Liturgia do Ano B, a Igreja inseriu em cinco Domingos o capítulo 6 de São João, que é o capítulo destinado ao “Pão da vida”. Inicia-se no 17DTC-B, com a multiplicação dos pães e se conclui no 21DTC-B. No Brasil, a leitura contínua do capítulo 6 de João não é contínua, uma vez que num dos Domingos, por transferência de data, celebra-se a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora. Neste ano, a data de 15 de agosto, caiu no Domingo.
 
Voltando ao sinal do pão como sinal maior da alimentação humana, presente na maior parte das celebrações de agosto/21, a Liturgia inicia as celebrações de agosto propondo o maior de todos os dramas da vida humana: o medo de morrer de fome (1L do 18DTC-B). Um povo faminto é capaz de tudo; capaz, até mesmo, de sentir saudade da escravidão e capaz de desafiar o próprio Deus. Uma realidade que, devido a pandemia, tomamos contato em nossos dias: a fome tornou-se uma realidade ameaçadora da vida no país que bate recordes na produção de alimento. Não é um simples paradoxo; é a vitrine escancarada da ganância. O pobre pode morrer, mas não se pode perder dinheiro. Esta é a lógica cruel e dramática que valoriza mais o dinheiro que a vida do pobre e do faminto.  
 
A fome do povo está manifestada também na busca por Jesus. Ele sabe que o povo o procurava, não pela sua proposta de vida, presente no Evangelho, mas pelo milagre da multiplicação dos pães. A busca de Jesus por causa do milagre. Mas, os milagres nunca são suficientes; sempre se precisará de mais e mais milagres. O que é suficiente é o pão da vida divina alimentando-nos para a vida eterna. O que procuramos em Jesus? O que procuramos no Evangelho para nossas vidas: o milagre para resolver nossos problemas, ou o alimento que produz vida eterna, vida divina na vida humana? (E do 18DTC-B).
 
Quando Elias sente-se perseguido, ele foge para o deserto, entra em depressão e deseja a morte (1L do 19DTC-B). Se no 18DTC-B a Liturgia falava da fome do pão material, no 19DTC-B, a Liturgia propõe a fome do sentido existencial para a vida. Quando o pessimismo ou a depressão começam a alimentar a vida de alguém, o desejo da morte começa a ameaçar a vida humana. A pessoa mesma começa a viver como um morto-vivo, desanimado; como um morto-vivo, passa a maior parte do tempo deitado.
 
Deus não aceita esta postura na vida humana. Acorda Elias e prepara para ele um pão capaz de caminhar 40 dias e 40 noites (1L do 19DTC-B). Alimento fortalecedor para uma caminhada existencial de longo alcance, para uma caminhada capaz de caminhar nos caminhos da vida eterna, onde não existe fome de vida, porque a vida é plena (E do 19DTC-B). Este pão é corpo de Jesus Cristo, é a vida de Jesus Cristo.
 
Nas propostas celebrativas do SAL – Serviço de Animação Litúrgica, está claro que Deus alimenta o seu povo com o pão material, como proclamado no Evangelho da multiplicação dos pães (17DTC-B), e com o pão da vida, que é o Corpo de Jesus Cristo. Isto traz consequências especialmente relacionadas ao tema da fidelidade ao projeto divino. Quem se alimenta com a vida de Jesus Cristo assume a mentalidade do Evangelho (2L do 18DTC-B) para viver como Jesus Cristo (2L do 19DTC-B). Cada celebração Eucarística, onde Jesus nos alimenta com a vida, é celebração comprometedora de viver na fidelidade ao projeto divino.
 
Está muito claro, na conclusão do capítulo 6 de João (21DTC-B), que Jesus não está à procura de fãs, de pessoas que o transformem em celebridade. Jesus quer discípulos e discípulas, pessoas de fé, comprometidos com o Evangelho. Disto a pergunta radical: vocês querem ir embora? (21DTC-B). Uma pergunta que remonta ao 18DTC-B, quando Jesus esclarece que ele não deve ser buscado para fazer milagres, mas ser buscado como Mestre e como alimentador com o pão da vida eterna. Não existe discipulado cristão sem se comprometer com o Evangelho, não existe Eucaristia sem compromisso existencial de viver evangelizado.
 
 
Sinal dos tempos
No início desta pedagogia litúrgica foi proposto preparar as celebrações de agosto/21 com o tema do sinal. São dois sinais presentes nas celebrações de agosto/21. O primeiro, na maior parte das celebrações, o sinal do pão. O outro tem a ver com o sinal ou sinais dos tempos.
 
A Teologia católica ensina que Deus se manifesta e se faz presente por sinais e com sinais. Um sinal importante da presença de Deus, no Antigo Testamento, era a Arca da Aliança. Vendo a arca, o povo compreendia que Deus caminhava com ele; era um Deus peregrino e companheiro do povo (1L da vigília da Assunção). Em nossas procissões, sinal da caminhada do povo rumo ao céu, somos guiados pela Cruz processional. Hoje, tantas cruzes são carregadas; sinais da dor humana e da esperança que Jesus ilumine e dê sentido aos nossos sofrimentos.
 
Dada nossa curiosidade, sempre esperamos que Deus se manifeste com sinais grandiosos. Apareceram dois sinais no céu: uma mulher grávida e um dragão (1L da Assunção). Sinal da fragilidade humana, mulher grávida, e, o outro sinal, aquele da ferocidade da maldade, no sinal do dragão. Ambos não permanecem no céu; caem nos desertos da terra. É o sinal da nossa fragilidade diante da maldade feroz e destruidora da vida humana. Hoje, este sinal se chama pandemia do covid 19. Mesmo havendo pessoas alimentando o dragão devorador de vidas, o mal não consegue vencer a fragilidade da vida humana porque Deus sempre está do lado da vida.
 
Não se pode ficar olhando para o céu esperando sinais porque eles estão na terra e de modo bem discreto. A gravidez de Isabel foi um sinal do poder divino para Maria (E da Assunção), que a desafiou a se colocar a caminho para se fazer ajudante da vida nova que estava para nascer do seio da idosa Isabel. Maria, na Assunção, é um sinal de esperança, um jeito divino com o qual Deus nos avisa que nosso destino é o céu.
 
Nossa vida não está destinada a apodrecer no chão desta terra; nosso destino final é o céu e para isso é preciso aprender a ler os sinais dos tempos em nossas vidas. Aprender a perceber os sinais de Deus em nossas vidas. Como? Acendendo nossas vidas com a luz da Palavra de Deus. “Tua Palavra é uma luz para os meus passos”, canta o salmista no Sl 119,105. Palavra que é luz iluminadora da vida, Palavra que é fonte da sabedoria existencial (1L do 22DTC-B).
 
O cristianismo, juntamente com o judaísmo, é a religião da Palavra. Deus se manifesta pela Palavra. Por isso, a fé cristã não é um conjunto de tradições e de costumes religiosos, mas é um modo de viver iluminando-se na Palavra de Deus (E do 22DTC-B). A conclusão da pedagogia litúrgica de agosto/21 conclui-se com o apelo de São Tiago para não sermos meros ouvintes da Palavra, mas praticantes (2L do 22DTC-B). A Palavra é a luz que ilumina as realidades da vida e da história para compreendermos a vida e a história com a luz divina.
Serginho Valle
Julho de 2021