Quaresma: peregrinar existencial

26 de Fevereiro de 2020


Quaresma: Peregrinar existencial

              Estamos com um mês totalmente quaresmal, o que é uma boa coincidência. Do ponto de vista pedagógico litúrgico, lembro que o percurso quaresmal do Ano A é o mais antigo itinerário quaresmal da Igreja, usado especialmente para os catecúmenos. Uma catequese litúrgica, portanto, celebrada nas semanas que antecediam o Batismo.
            Nossas propostas celebrativas inspiram-se na CF2020 que, neste ano é bem quaresmal, com um forte aceno da espiritualidade pascal da vida. É um tema que favorece o enriquecimento da espiritualidade quaresmal, especialmente esta do Ano A. Por isso, uma pedagogia litúrgica a ser celebrada e refletida unindo a riqueza da Liturgia Quaresmal com o rico tema da vida, proposto pela Campanha da Fraternidade 2020.
 
Vocacionados à santidade
            A vida cristã, iniciada no Batismo, é um caminho, uma peregrinação que tem como meta a transfiguração pelo encontro com Deus (2DTQ-A). Todo cristão é vocacionado à santidade, dirá São Paulo (2L - 2DTQ-A); chamado a uma vocação santa. Por isso, o primeiro aspecto da Quaresma consiste em se colocar a caminho, tornar-se peregrino existencial. Não um simples turista que vê, se admira, fotografa e vai embora. Peregrino no sentido Bíblico, de ir ao encontro do Sagrado, de buscar o Sagrado, de ir ao encontro de Deus.
            Esse ir ao encontro de Deus é a segunda parte da nossa história de fé humana. Antes que nos colocássemos em peregrinação, Deus se faz peregrino e vem ao nosso encontro com seu projeto de vida, soprando sua vida dentro da vida pessoal de cada um de nós (1L – 1DTQ). Isto significa que somos divinizados, que nossa vida é santa e que nossa peregrinação existencial, nossa vida, é destinada a ser caminho peregrinado na santidade. É neste caminho que aparecem as tentações de milagres, de ser poderoso e de ser famoso (1DTQ–A). Veja quantas Igrejas são tentadas à fama, a realizar milagres, a ficar famosa. Hoje, vivemos um tempo de peregrinação e nem sempre é fácil ceder a estas três tentações que Jesus venceu com o jejum, a oração e o acolhimento da Palavra.
 
Batismo: dom e compromisso
            O que a CF2020 fala da vida, como dom e compromisso, sempre foi atribuído ao Batismo como dom e compromisso. Dom porque a Igreja mergulha a vida humana na água, símbolo do Espírito Santo, fonte da vida plena, fonte que sacia toda sede existencial. Quem beber da água oferecida por Jesus nunca mais terá sede de vida (3DTQ-A). Jesus é a fonte da água viva e seu Coração, aberto na Cruz, é a fonte da vida plena. O Batismo é dom da vida plena e compromisso para que esta vida se plenifique na sociedade.
            Considerando as tentações de milagres, poder e fama (1DTQ-A) compreende-se que a fonte da realização pessoal não se encontra no extraordinário que provoca admiração, mas no aproximar-se de Jesus para ser iluminado com uma luz diferente (4DTQ-A), que é a luz da fé. Nesse modo de compreender a fé, a pedagogia litúrgica desta Quaresma do Ano A descreve-a como iluminação. A fé não se reduz a crer, no sentido de crença, mas é uma iluminação. À medida que se crê, a pessoa deixa a cegueira e passa a ser iluminado pela luz que vem de Deus doada por Jesus Cristo. Foi o que aconteceu com o cego nato (4DTQ-A).  O Batismo é dom porque doa a luz de Jesus Cristo a quem é batizado e é compromisso, porque compromete o batizado em ser luz do mundo (Mt 5,13-16).
 
Ressuscitar para a vida plena
            Na proposta do 5DTQ-A, a Palavra coloca os fundamentos teológico e espirituais da vida como dom e compromisso. Depois de percorrer todo o itinerário pedagógico da Quaresma, de Deus oferecendo a vida como dom e pedindo nosso empenho em forma de compromisso, a Liturgia oferece o fundamento para a Teologia espiritual da CF2020 com um argumento conhecido: Deus não quer a morte do homem e da mulher (Ez 33,11). E para isso, se dispõe a ir ao encontro da morte, enfrentar o fedor da morte e gritar para acordar a vida de Lázaro (5TQ-A). No início, dizíamos que a Quaresma é uma peregrinação existencial que conduz ao encontro de Deus. Iluminados pela espiritualidade do 5DTQ-A, entende-se que a Liturgia a apresenta igualmente como o peregrinar divino ao encontro do homem e da mulher para tirá-lo de todo tipo de sepultamento.
            O compromisso para com a vida, da nossa parte, consiste em agir como Jesus. Claro que não temos poder de restituir a vida, mas podemos gritar contra aquilo que fere a vida com venenos de morte: violências, agressividades, prostituição, aborto, tráfego de pessoas... Diante de atitudes que fedem a morte, nós gritamos para acordar a vida e para perfumá-la com o perfume da Ressurreição do Senhor.
Serginho Valle
Janeiro de 2020