Liturgia e o final dos tempos

03 de Novembro de 2018


Liturgia e o final dos tempos
 
O dom da vida eterna e a fraternidade
Na conclusão do Ano Litúrgico, as celebrações, pedagogicamente, conduzem os celebrantes a refletir sobre o fim das realidades terrenas, incluindo a vida humana. Esta realidade do fim da vida humana encontra-se na primeira celebração de Novembro, na Comemoração dos fiéis defuntos. Uma celebração que, evidentemente, não celebra a morte humana, mas favorece os celebrantes colocarem-se diante da morte iluminando-os pelo convite de acolher a vida eterna em sua vida humana.
 
A vida eterna, que recebemos de Deus, é um dom que não nos é dado depois da morte, mas que pode ser usufruído desde agora, desde este momento de nossa existência terrena. Um modo para isto acontecer é pela fraternidade, especialmente quando esta realiza o resgate da vida (Missa de Finados), porque a vida que recebemos de Deus é para ser vivida plenamente, eternamente.
 
Também é pedagógica a proposta da Liturgia apresentar a fraternidade como exemplo vivo e histórico de milhões de cristãos, homens e mulheres, na celebração de todos os Santos e Santas. Daqueles que se tornaram bem-aventurados, como diz o Evangelho dessa Missa, por dedicarem suas vidas ao resgate da vida em diferentes formas de fraternidade propostas no Evangelho.  Além disso, a Solenidade de todos os Santos e Santas favorece a compreensão da santidade da vida divina vivida na vida humana. À medida que a vida divina vai se adaptando ao modo humano de viver, esta vai se tornando humanamente eterna, imortal.
 
Isto faz compreender que a vida humana acolhe a dinâmica da vida divina e é santificada por este acolhimento. A presença da vida divina na vida humana acende na pessoa o olhar divino, tornando-o olhar fraterno para com todos. Olhar que sempre valoriza a vida, como é o próprio do olhar divino.
 
A santidade é a vida divina vivendo na vida humana; dom recebido no Batismo. Tanto é, que a vida divina habita em nós tornando-nos Templos do Espírito Santo (1Cor 6,19). Mas, tem um detalhe importante. Para isso acontecer existe a necessidade da colaboração humana, como por exemplo, o cultivo da confiança e da esperança. Estamos na dimensão da fé.
 
A Liturgia do 32DTC-B incentiva este cultivo com o exemplo de duas pobres viúvas, as mulheres mais marginalizadas no contexto social dos tempos Bíblicos. Nelas, a confiança e a esperança se traduzem pela partilha e pela doação. A fraternidade acontece pela partilha e pela doação e, para isso, a necessidade de dar daquilo que se tem para viver em total confiança a Deus. Confiar em Deus e esperar em Deus é aceitar s desafios diante dos necessitados. É o grande desafio que a Liturgia coloca diante da cultura marcada pelo egocentrismo.
 
 
A imortalidade da vida, primazia do Reino
Outra proposta pedagógica da Liturgia, além de dar sentido à vida pela fraternidade, é aquela de situar os celebrantes diante da finitude de tudo. Um dia, diz a Sagrada Escritura, tudo acabará. É um modo de reafirmar a fé na eternidade divina: só Deus permanece e permanecerá para sempre, tudo o mais passa e acabará. Disto o ensinamento de Jesus para não acumular bens na terra (Mt 6,19).
 
Diante de tal situação, a Liturgia do 33DTC-B propõe não parar na catástrofe que destrói porque isso causaria o pavor e tenderíamos ao desespero pelo medo. Tudo vai acabar, é verdade, mas isso não nos deve induzir ao desespero. Existe um sentido da vida que nem sempre é visível, como relatado na parábola da figueira, contada por Jesus. Escondida debaixo da casca seca e aparentemente morta da figueira encontra-se uma vida que germina e produz flores e frutos. Neste contexto, a figueira também é símbolo apocalíptico, não entendido no senso comum da destruição catastrófica, mas como revelação — no que significa a palavra apocalipse — que a destruição, por mais catastrófica que seja, é incapaz de matar a vida divina em nós.
 
A vida eterna, vida que dura para sempre, vida que podemos viver é dom da vida plena que Jesus Cristo, Rei eterno, ofereceu-nos no trono da sua Cruz. É a última celebração do Ano Litúrgico (34DTC-B), Solenidade de Cristo Rei, celebrando o Rei que veio para dar testemunho da verdade. Da verdade presente nos valores do Reino de Deus, dos quais, o maior e o mais sublime é a vida humana.
Serginho Valle
Outubro de 2018